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quinta-feira, 5 de agosto de 2010

RAQUEL DE QUEROZ, UM PEDIDO DE DESCULPAS AO POVO DE GUAPÉ


NOVA HISTÓRIA DE GUAPÉ

Meti-me outro dia a fazer uma cantiga em que chorava a cidade de Guapé, que as águas de Furnas estão a afogar. Movia-me só a ternura e a solidariedade por essa gente que o progresso está sem dó expulsando do seu lugar antigo.Mas parece que cantei desafinado, porque, me dizem pessoas de lá, o povo de Guapé danou-se comigo, achando que eu estava era gozando a desgraça deles; e que, nas coisas que dizia, baseava-me em duas séires de alegações completamente falsas.
Em primeiro lugar me explicam que Guapé, a velha, não era aquela cidadezinha atrasada com que nos enganávamos, transviados por uma publicidade depreciativa e interessada. Guapé ao contrário do espalhado, há muitos anos tem luz elétrica; já teve telefone e bom cinema, e se hoje uma coisa e outra desapareceram é porque a ameaça de inundação, que já vem de vários anos, desanimou todas as iniciativas. Tem um jardim público muito bonito, hospital, ginásio, grupo escolar e um clube muito alinhado, o Clube dos 70. Tem água encanada, e foi coisa que os magoou haver eu suposto nas minhas nênias que tomassem eles banho de cuia. (Ai de nós cariocas, emperdenidos no banho de cuia, até que os túneis do governo Lacerda nos livrem da secular maldição!) Retiro, pois, gostosamente o poço e o banho de cuia, e retifico que Guapé tem água encanada.
Agora porém, o mais importante dos desmentidos, que toca a segunda parte das alegações falsas e que faz compreender a irritação dos guapeenses contra os comentários da imprensa, mesmo os bem intencionados como os nossos: a verdade verdadeira é que a proclamada, a celebrada, a espalhada cidade nova, prontinha, com ruas calçadas e todo o conforto moderno, essa cidade ainda não existe. Está em começo, sim, mas anda longe de ficar pronta. Já levantaram uma caixa d’água, algumas boas casas – poucas - ocupadas pelos engenheiros da Companhia; a igreja está no começo; o grupo escolar já fizeram...
Tudo isso me vieram reclamar os guapeenses, de viva voz e por escrito, mostrando-me recortes de jornais da terra, que falam bem diferente dos jornais do rio.
E termino pedindo desculpas ao povo de Guapé pelo mal-avisado acesso e ternura. Á primeira vez que afundarem uma cidade, se eu ainda for viva, podem ficar descansados que não meterei no caso a minha colher torta. Casos de afundamento, só do Dilúvio para trás; deles não resta mais ninguém vivo, que vá ficar zangado comigo se eu contar que Noé tomava banho de cuia.
(O Cruzeiro – 23/02/1963)

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